Pós-Produção

Montagem (a arte)

Pós-Produção

Montagem (a arte)

By

André Silvério & Pablo Apezteguia

20.05.2025

/

7 min.

Montagem: a arte invisível que transforma o filme

Boa parte do impacto de um filme, série ou videoclipe acontece longe das câmeras, depois que tudo foi registrado. É na sala de edição que a obra encontra sua forma definitiva. Nesse momento decisivo da pós-produção, as imagens ganham ritmo, significado e emoção — e onde, muitas vezes, o filme é reescrito.

A montagem é uma linguagem própria. Vai além de simplesmente organizar cenas: ela define como a história será contada, o que será mostrado, quando será revelado, e sob qual ponto de vista. É a montagem que dá vida àquilo que o roteiro sugeriu e que a filmagem moldou.

Montar um filme é decidir onde começa e termina uma cena. É escolher o melhor take, a reação mais expressiva, o instante exato em que o público deve saber algo — ou ainda, quando ele deve ser mantido no escuro. É ajustar o tempo das coisas, manter ou quebrar o ritmo, criar tensão ou dar alívio. É uma arte de escolhas minuciosas que, juntas, formam o todo.

Essas decisões moldam não apenas a duração do filme, mas a sua estrutura emocional, narrativa e estética. É na montagem que um personagem ganha profundidade, que o tempo se dilata ou se comprime, que o espaço se reorganiza. A montagem tem o poder de transformar falhas em acertos, dúvidas em certezas, esboços em linguagem.

A montagem tem um poder quase invisível — ela molda o tempo, brinca com a nossa percepção e, às vezes, é ela quem escreve a versão final da história. Cidade de Deus (2002) é prova disso. O roteiro já era forte, mas foi na montagem de Daniel Rezende que o filme se reinventou. A estrutura linear deu lugar a uma narrativa em flashbacks, fragmentada e pulsante, que aumentou a tensão a cada corte. O impacto foi tão grande que levou à primeira indicação ao Oscar de Melhor Montagem para um filme brasileiro.

Com Tropa de Elite (2007), a transformação foi ainda mais profunda. O filme era sobre André Matias, um jovem policial. Mas, ao perceberem a força do ponto de vista do Capitão Nascimento, a montagem reconstruiu a história. A narração em off e a reordenação das cenas criaram um mergulho psicológico no protagonista — e definiram o tom desejado da obra.

Dois Coelhos (2012), de Afonso Poyart, leva a montagem a outro nível. Mais do que organizar a narrativa, a edição assume o protagonismo visual: cortes rápidos, textos na tela, efeitos e sobreposições fazem a história saltar aos olhos. Aqui, a montagem não apenas costura; ela dá o ritmo e o estilo.

Lá fora, o Oscar costuma premiar montagens que moldam o coração do filme. Whiplash (2015) transformou o embate entre professor e aluno em um duelo de cortes secos, seguindo o compasso da bateria. Mad Max: Estrada da Fúria (2016), com a precisão de Margaret Sixel, conseguiu dar clareza a um turbilhão de ação quase contínua. E Pulp Fiction (1994), com a montagem de Sally Menke, desafiou a linearidade, criando uma nova lógica de storytelling em meio ao caos — sem perder a coerência narrativa.

Grandes montagens fazem mais do que juntar cenas: elas dão forma à alma do filme. E é nelas que o tempo se dobra, se fragmenta e, por fim, se transforma em cinema.

Montar é dirigir uma segunda vez. Muitos diretores reconhecem que o verdadeiro filme nasce ali, no silêncio concentrado da ilha de edição. É nesse espaço de parceria e troca entre o montador e o diretor, que se redescobre o material filmado, que se encontra sentido em meio ao caos dos brutos, que se ouve o que o filme está tentando dizer, às vezes pela primeira vez.

Antes da montagem, o filme é uma promessa. Depois dela, é uma realidade. É nesse processo silencioso e preciso que o audiovisual revela sua potência máxima — não como uma simples soma de cenas, mas como um organismo vivo que só na montagem encontra sua respiração, sua pele, sua alma.